18 de mai. de 2015

Ínfima reflexão

Essa reflexão faz parte do texto de introdução de um livro do Wilhelm Reich. Caso não tenha lido, clique aqui para ler.


Mães e pais, sintam-se mal quando seus filhos esperam a opinião de vocês sobre um assunto para posteriormente formarem a deles, e principalmente, se for exatamente igual a sua.

Não me entenda errado, temos muito que agradecer a geração de vocês: hoje temos nossa liberdade de expressão e uma democracia.

Mas também temos muitas pessoas sendo assassinadas apenas por serem homossexuais, e/ou, travestis, e/ou, transexuais. Também temos muitas mulheres sofrendo alguma forma de abuso. E muitos outros problemas que vieram muito antes da época de vocês, mas que incrivelmente além de sobreviverem a geração de vocês, perduram até a nossa e provavelmente não estaremos aptos a erradicá-las a ponto de torná-las apenas exceções.

Quando minha geração atingir uma idade mais elevada, talvez tantas pessoas não morram exclusivamente por suas sexualidades e identidade de gêneros. Talvez mulheres sejam cada vez menos vítimas de abusos. Talvez consigamos acabar com a guerra as drogas, e liberar a maconha (é a tendência, aceitem, assim como aceitamos socialmente o álcool, tabaco e benzodiazepínicos). E quem sabe, com muita sorte, nós começaremos a olhar uns para os outros e lutarmos uns pelos outros, e não, apenas em causas de interesse próprios.

E então provavelmente a próxima geração a minha, poderá me culpar por ter aceitado que povos sejam explodidos por drones não tripulados, onde quem aperta o botão está sentado em uma abrigo de segurança máxima presidindo um dos países considerados como Grandes Potências, e provavelmente por minha culpa também, praticamente imbatíveis, intolerantes e totalitários.

A próxima geração poderá me agradecer também por deixá-los a merce de um sistema que continuará não dando a mínima para as classes trabalhadoras e visará o capital como seu bem máximo. A próxima geração também deverá me agradecer pelos impactos ambientais gigantes que o acumulo de todas nossas gerações - mas sem dúvida, será a minha a mais devastadora-, impactará na vida deles de forma direta e beirando a irreversibilidade.

Um mundo onde cada vez mais os pobres não terão chance de uma vida digna, e os que estiverem acima dos mais pobres e abaixo dos mais ricos, cairão, todos juntos em uma classe tão inferiorizada quanto os servos do feudalismo, porém dessa vez a justificativa será meritocrata: vocês tiveram a chance de serem os mais ricos na geração passada e se seus pais não atingiram o topo da classe econômica, bem, vocês fizeram por merecer suas misérias atuais.

Então talvez a minha geração até mude umas coisas, mas, se continuarmos nos apegando a ideias que estão com nós desde o feudalismo, transpuseram o imperialismo e hoje, são a base do capitalismo atual, só se mudarmos talvez, em algumas gerações futuras, seja possível um futuro muito mais harmonioso e justo para todos, ou apenas, menos horripilante quanto o que hoje é possível projetar.

Wilhelm Reich e uma análise política em 1940


Eu gostaria sinceramente que você desse uma chance para uma introdução de um livro escrito em 1940 por um cientista que nasceu em algum lugar da Ucrânia (na época império austro-húngaro).

Se tua resposta for "okay, vamos tentar", então eu peço que tenha algumas coisas em mente antes de prosseguir: 
a) A época que o livro foi escrito, digamos que em 1940 algumas vírgulas e algumas frases vão te dar agonia, mas nada impossível de ler. Mantive a transcrição extremamente original ao livro. 
b) Em 1940 estava acontecendo ainda a Segunda Guerra Mundial, então, por favor, colocar-se dentro do período ao ler a introdução. 


Introdução:



"Liberalismo e democracia sentiram-se tão ameaçados como a ditadura do proletariado, a honra do socialismo tanto quanto a honra da mulher alemã. Na realidade só uma atitude e só uma classe de ordem social e moral é ameaçada pela elucidação do funcionamento da vida, e é o regime autoritário ditatorial de qualquer espécie que procura, através de uma moralidade e de um trabalho compulsivos, destruir a decência espontânea e a auto-regulagem das energias vitais.

Entretanto - ponhamos agora os pontos nos ii - não é só nos Estados totalitários que se encontra a ditadura totalitária. Ela está igualmente na Igreja e nas instituições acadêmicas, entre os comunistas e os governos parlamentares. É uma tendência humana universal, causada pela supressão da vida; a educação autoritária constitui a base psicológica das massas populares de todas as nações para a aceitação e o estabelecimento da ditadura. Seus elementos básicos são a mistificação do processo vital, um concreto desamparo de caráter material e social, o medo de assumir a responsabilidade de orientar a própria vida e, por isso, o desejo mais ou menos forte de uma segurança ilusória e de autoridade ativa ou passiva. A verdadeira e secular luta pela democratização da vida social baseia-se na autodeterminação, na sociabilidade e moralidade naturais, no trabalho agradável e na alegria terrena do amor. Encara qualquer ilusão como um perigo. Por isso, não somente não temerá a compreensão natural e científica da vida, mas dela se servirá para dominar os problemas decisivos para o desenvolvimento da estrutura humana de forma não ilusória, mas científica e prática. Há esforços em toda parte no sentido de transformar a democracia formal em uma autêntica democracia de todos os homens e mulheres que labutam, em uma democracia do trabalho, adaptada à organização natural do trabalho."

[...]

"A higiene mental em escala maciça exige o poder do conhecimento contra o poder da ignorância; o poder do trabalho vitalmente necessário contra qualquer forma de parasitismo, quer seja de natureza econômica, intelectual ou filosófica. Levando-se a sério, a ciência natural pode tornar-se uma cidadela contra essas forças que destroem a vida, seja qual for o autor ou o lugar dessa destruição. Claro está que uma pessoa sozinha não possui o conhecimento necessário para salvaguardar a função natural da vida. A visão cientificamente racional da vida exclui a ditadura e exige a democracia no trabalho.

O poder social, exercido pelo povo, através do povo, e para o povo, produzido pelo amor natural à vida e pelo respeito ao trabalho executado, seria invencível. Entretanto, esse poder pressupõe que as massas trabalhadoras se tornem psiquicamente independentes e capazes de assumir a responsabilidade total pela existência social e de determinar racionalmente sua própria vida. O que impede que isso aconteça é a neurose psíquica da multidão, que se materializa em todas as formas de ditadura e em todas as formas de tumulto político. Para dominar a neurose coletiva e o irracionalismo na vida social, i.e., para efetuar uma verdadeira higiene mental, é necessária uma estrutura social que deve, antes de tudo, eliminar a miséria material e salvaguardar o livre desenvolvimento das energias vitais em casa um e em todos. Essa estrutura social só pode ser a verdadeira democracia.

Entretanto, a verdadeira democracia não é uma condição de 'liberdade' que possa ser oferecida, concedida, ou garantida a um grupo populacional por um governo eleito ou totalitário. A verdadeira democracia é um processo longo e difícil, no qual o povo, protegido social e legalmente, tem (não recebe) todas as possibilidades de se exercer a si mesmo na administração de sua conduta social, individual e vital, e de progredir em direção a todas as formas melhores de vida. Em suma, a verdadeira democracia não é uma manifestação acabada que, como certos anciãos, goze seu glorioso passado de lutas. É, antes, um processo de luta incessante com os problemas de desenvolvimento ininterrupto de novas idéias, de novas descobertas e de novas formas de vida. O desenvolvimento será continuo e impossível de ser rompido somente quando o antiquado e senil, que desempenhou seu papel em estágio anterior de desenvolvimento democrático, for suficientemente lúcido para dar lugar ao jovem e novo em vez de reprimi-lo apelando para a dignidade ou para a autoridade convencional. 


A tradição é importante. É democrática quando desempenha sua função natural de prover a nova geração com um conhecimento das boas e más experiências do passado, i.e., sua função de capacitá-la a aprender à custas dos erros passados a fim de não os repetir. A tradição torna-se a ruína da democracia quando nega à geração mais nova a possibilidade de escolha; quando tenta ditar o que deve ser encarado como 'bom' e como 'mau' sob novas condições de vida.

Os tradicionalistas fácil e prontamente se esquecem de que perderam a capacidade de decidir o que não é tradição. Por exemplo, o aperfeiçoamento do microscópio não foi conseguido pela destruição do primeiro modelo: o aperfeiçoamento foi realizado com a preservação e o desenvolvimento do modelo primitivo a par com um estágio mais avançado do conhecimento humano."

[...]

"O desenvolvimento da democracia anterior à guerra em uma perfeita e verdadeira democracia do trabalho significa que o publico em geral deve adquirir uma real determinação de sua existência no lugar do tipo formal, fragmentário e defeituoso de determinação que tem presentemente. Significa que o caráter político irracional da vontade do povo deve ser substituído pelo domínio racional do processo social. Isso exige a progressiva auto-educação do povo em direção à liberdade responsável. em vez da suposição infantil de que a liberdade pode ser recebida como um presente, ou pode ser garantida por alguém. Se a democracia quer erradicar a tendência à ditadura nas massas populares, deverá provar que é capaz de eliminar a pobreza e de conseguir a independência racional do povo. Isso, e só isso, pode chamar-se desenvolvimento social orgânico.

É minha opinião que as democracias européias foram derrotadas na luta contra a ditadura porque os sistemas democráticos estavam por demais carregados de elementos formais, além de serem deficientes demais quanto a uma democracia objetiva e prática. O medo à vida essencial determina todas as medidas educacionais. A democracia era considerada uma condição de garantia da 'liberdade' e não um instrumento no desenvolvimento da responsabilidade nas massas. Mesmo nas democracias, o povo era ensinado, como ainda o é, a ser cegamente fiel. As catástrofes dos tempos mostraram-nos que o povo ensinado a ser cegamente fiel em qualquer sistema se privará da própria liberdade; matará o que lhe dá liberdade e fugirá com o ditador.

Não sou político e nem versado em política, mas sou um cientista socialmente consciente. Como tal, reivindico o direito de dizer o que identifiquei como sendo a verdade. Se minhas observações científicas tiverem a capacidade de conduzir a uma organização melhor das condições humanas, o objetivo de meu trabalho será atingido. Quando as ditaduras forem reduzidas a zero, a sociedade humana precisará de verdades, e justamente de verdades impopulares. Essas verdades que se relacionam com as razões não reconhecidas do atual caos social prevalecerão finalmente, quer queira ou não o povo. Uma dessas verdades é que a ditadura tem suas raízes no medo irracional das massas à vida. Aquele que expõe essas verdades se arrisca muito - mas pode esperar. Não se sente forçado a lutar pelo poder com propósito de impor a verdade. Seu poder reside no seu conhecimento de fatos que, em geral, pertence ao gênero humano.

Não importa quão desagradável possam ser esses fatos; em tempos de exigência social extrema o desejo de viver da sociedade forçá-la-á a conhecê-los, apesar de tudo o mais. O cientista é obrigado a insistir no direito à liberdade de expressão sob todas as condições; esse direito não deve ser deixado àqueles cuja intenção é suprimir a vida. Ouvimos tanto a respeito do dever de um soldado - o desejo de sacrificar a própria vida pela pátria; ouvimos tão pouco sobre o dever de um cientista - de expor uma verdade uma vez que tenha sido reconhecida, custe o que custar.

O médico, ou, o professor, tem uma única responsabilidade, i.e, praticar inflexivelmente sua profissão, sem levar em conta os poderes que suprimem a vida, e ter em mente apenas o bem-estar dos que lhe são confiados. Ele não pode representar quaisquer ideologias que contradigam a ciência médica ou pedagógica.

Aqueles que se chamam a si mesmos democratas e querem contestar esse direito do pesquisador, do médico, do educador, do técnico ou do escritor são hipócritas ou, no mínimo, vítimas da chaga do irracionalismo. Sem firmeza e seriedade nas questões vitais, a luta contra a chaga da ditadura é uma luta sem esperança, porque a ditadura floresce - e só pode florescer-, na obscuridade dos fins não compreendidos da vida e da morte. O homem é um ser desamparado quando lhe falta o conhecimento; o desamparo causado pela ignorância é o fertilizante da ditadura. Um sistema social não pode ser chamado de democrático se tem medo de propor questões decisivas, de encontrar respostas insólitas, e de entrar em discussão a respeito dessas questões e respostas. Nesse caso, é derrotado pelo mais leve ataque a suas instituições por parte dos ditadores potenciais. Isso foi o que aconteceu na Europa.

A 'liberdade religiosa' é uma ditadura quando não caminha de mãos dadas com a liberdade da ciência; pois, se este é o caso, não há livre competição na interpretação do processo da vida. Deve decidir-se de uma vez por todas se 'Deus' é uma figura divina, barbuda, toda-poderosa, ou se representa a lei cósmica da natureza, que nos governa. Só pode haver um entendimento entre a ciência e a religião se Deus e a lei da natureza forem idênticos."

[...]

"Nosso mundo, na verdade, se tornou desconjuntado. Não importa, porém, a maneira como as sangrentas lutas do presente ensombrecem os séculos vindouros, permanece o fato de que a ciência da vida é mais poderosa que a tirania e que todas as formas de negação de vida. Foi Galileu, não Nero, quem assentou os fundamentos da tecnologia; Pasteur e não Napoleão, quem combateu as enfermidades; Freud, e não Schicklgruber, quem sondou as profundidades psíquicas. Foram esses cientistas, em suma, que asseguraram nossa existência. Os outros apenas abusaram das realizações de grandes homens para destruir o processo vital. As raízes da ciência natural penetram mais fundo que qualquer transitório tumulto fascista."

Wilhelm Reich - A função do orgasmo.
Nova York, Novembro de 1940.